08/08/2025
Crianças entre dois e seis anos costumam expressar medo de monstros, escuro, trovões ou de se perder dos pais. Um pouco mais velhas, entre sete e dez, passam a temer acidentes, assaltos ou até a morte de familiares. Em adolescentes, o medo social e a ansiedade de desempenho ganham destaque. Essas mudanças acompanham o desenvolvimento neurológico, cognitivo e emocional, tornando o medo um componente natural da infância — mas que, em alguns casos, exige cuidado e atenção especial.
Os medos podem ser passageiros ou persistentes. O medo do escuro, por exemplo, é comum e tende a desaparecer com o tempo. Já o medo exagerado de injeções pode evoluir para uma fobia específica que dificulta exames médicos e afeta a saúde da criança. Quando esse temor passa a interferir nas rotinas escolares, na convivência familiar ou no sono, é sinal de que algo precisa ser investigado.
Escuro e monstros: comuns entre os três e seis anos, surgem da imaginação fértil e da dificuldade em diferenciar o real do imaginário.
Separação dos pais: muito presente em bebês e crianças pequenas, pode causar crises de choro e resistência a ficar na escola ou com cuidadores.
Animais: cães, gatos e insetos são alvos frequentes de medo, especialmente após experiências negativas.
Altura e espaços fechados: comuns a partir da idade escolar, geralmente associadas a uma maior percepção do próprio corpo e da segurança física.
Fobia social: mais recorrente em crianças maiores e adolescentes, envolve medo de ser julgado, se expor ou falar em público.
Procedimentos médicos: medo de agulhas, hospitais ou exames pode estar ligado à dor, mas também à perda de controle sobre o corpo.
“Reconhecer o medo da criança como legítimo é o primeiro passo para ajudá-la”, afirma Katia Jardim, diretora da Escola Moura Jardim, de São Paulo (SP). “Muitas vezes, o adulto subestima o sentimento ou tenta racionalizá-lo, mas para a criança, aquele medo é real e merece acolhimento”, destaca Katia.
Criar um espaço seguro para a criança falar sobre o que sente é uma das formas mais eficazes de lidar com o medo. Ao perguntar com calma sobre o que está acontecendo, sem julgamento, o adulto permite que a criança nomeie o sentimento e compreenda melhor suas reações. Isso reduz a ansiedade e favorece o enfrentamento da situação de forma gradual.
O uso de histórias infantis também pode ser um recurso valioso. Muitos livros abordam temas como medo do escuro, fantasmas ou situações sociais de forma lúdica, o que permite à criança se identificar com os personagens e, ao mesmo tempo, visualizar saídas possíveis. O humor, a fantasia e a repetição das histórias funcionam como mecanismos de ressignificação do medo.
Outras estratégias incluem:
Exposição controlada: apresentar gradualmente o objeto do medo, sem forçar a criança a enfrentá-lo de imediato.
Objetos de conforto: permitir que a criança leve consigo um brinquedo ou item que transmita segurança em situações novas.
Técnicas de relaxamento: ensinar respiração profunda, alongamentos leves ou rituais de transição (como ouvir uma música relaxante antes de dormir) pode ajudar a acalmar.
Exemplo dos adultos: as crianças observam o comportamento dos pais e cuidadores. Se o adulto demonstra tranquilidade diante de uma situação temida, é provável que a criança também se sinta mais segura.
É importante evitar frases como “não precisa ter medo” ou “isso é bobagem”. Embora bem-intencionadas, elas invalidam o sentimento da criança. O mais indicado é dizer algo como: “Eu entendo que isso te assusta. Vamos pensar juntos em uma forma de lidar com isso”. Mostrar que o medo pode ser enfrentado com apoio fortalece a autoconfiança e ajuda a desenvolver resiliência emocional.
A diferença entre um medo comum e uma fobia está na intensidade e no impacto. A fobia é um medo persistente, desproporcional e que provoca reações extremas, como crises de choro, sudorese, taquicardia, sensação de pânico e, muitas vezes, fuga da situação. Se esse padrão durar mais de seis meses e afetar a rotina da criança, é hora de buscar ajuda especializada.
Psicólogos infantis utilizam diversas abordagens terapêuticas para tratar medos e fobias. Uma das mais eficazes é a terapia cognitivo-comportamental, que trabalha a identificação de pensamentos distorcidos, o enfrentamento gradual da situação temida e o desenvolvimento de estratégias para lidar com a ansiedade. Jogos terapêuticos, dramatizações e técnicas de respiração também são utilizados de acordo com a idade e o perfil da criança.
Além disso, o medo pode ser um sinal de outras questões emocionais, como ansiedade generalizada, transtornos do humor ou dificuldades de adaptação. Em alguns casos, o medo aparece como manifestação de insegurança, baixa autoestima ou dificuldades de comunicação. Por isso, uma avaliação cuidadosa é fundamental para entender o contexto e definir o melhor caminho.
Em ambientes escolares, os professores têm papel importante na observação desses sinais. Uma criança que evita participar de atividades, chora ao se separar dos pais, se recusa a apresentar trabalhos ou se retrai em situações de socialização pode estar lidando com algum medo específico. O diálogo entre escola e família é essencial para traçar estratégias conjuntas de acolhimento e apoio.
Medos que aparecem após situações traumáticas — como acidentes, perdas familiares ou mudanças bruscas — também merecem atenção. Nesses casos, o medo pode vir acompanhado de alterações no apetite, no sono, no rendimento escolar ou no comportamento social. Esses sinais indicam que o impacto emocional da situação está sendo difícil de processar, e a intervenção precoce pode prevenir o agravamento.
O uso excessivo de telas também pode contribuir para o surgimento de medos, especialmente quando os conteúdos consumidos não são apropriados para a idade. Cenas de violência, suspense ou mesmo vídeos aparentemente inofensivos, mas que trazem elementos assustadores, podem causar impacto emocional nas crianças. Monitorar o que é acessado e conversar sobre o conteúdo visualizado é fundamental para reduzir esse risco.
Por outro lado, é importante lembrar que o medo, em níveis saudáveis, também tem seu valor. Ele ensina limites, alerta para perigos reais e prepara a criança para lidar com desafios. A meta não é eliminar todo e qualquer medo, mas ajudar a criança a distinguir o que é imaginário do que é real, e a desenvolver ferramentas emocionais para seguir em frente mesmo diante da insegurança.
A infância é um terreno fértil para emoções intensas. O medo, entre elas, tem lugar garantido. Quando acolhido com escuta, empatia e paciência, ele pode se transformar em aprendizado e em crescimento. Quando negligenciado, pode se tornar um obstáculo.
Pais, professores e cuidadores formam uma rede de apoio essencial nesse processo. Entender o que assusta a criança é o primeiro passo para ajudá-la a enfrentar o mundo com mais coragem, equilíbrio e autonomia. E isso, muitas vezes, começa com um gesto simples: sentar ao lado dela, escutar com atenção e dizer “estou aqui com você”.
Para saber mais sobre medo infantil, visite https://leiturinha.com.br/blog/medo-alem-do-normal/ e https://www.vittude.com/blog/medo-infantil-como-trabalhar-psicologo/